quarta-feira, 13 de maio de 2009

volume I

CUPOROLO
(homenagem a Camilo Pessanha)

Nasces na imensidão
No Cuio terminas
Águas que estão
No meu coração
Quantas vezes arrastaste as minas.

Aquelas que matam
Os corpos das crianças
E por lá passam
Todos os que se despedaçam,
Ainda haverá esperanças.

Dás vida, sem dúvida
Agora também a tiras
Ainda a vejo túrgida
De grandeza e muito húmida
A vida, essa não a viras.

Tantas vezes te atravessei
Meu rio muito querido
Quase nunca te olhei,
Agora, quando te verei?
Se calhar no infinito.

Castanho corrias
E com a “Calema”
Te metias
Por favor, não te rias
Sempre foste um emblema.

Estoril, 30 de Junho de 2003

Francisco da Renda

DAIMÔN

O contrário do bem existe ao mesmo tempo
Que este, sendo diferente só o campo
Onde estão. Daimôn o caluniante
Tem muitos nomes (Lúcifer o brilhante

Ou Santanas o mau) e muitas formas:
Mulheres, sapos, bodes ou serpentes,
Todos horríveis, com cornos e caudas
Lembrando Pã que não era muito diferente.

A forma demoníaca foi pintada,
Esculpida, desenhada e maltratada
Em oposição à natureza angélica,

Que perde tremendamente em popularidade
Diante da mais apelativa perversidade
E da mais fácil natureza feérica.

Estoril, 11 de Março de 2005

Francisco da Renda

DALILA

Vou chamar-te assim.
Eu era um catraio
E tu, a mulata mais linda
De toda a minha Angola.
Teus olhos rasgados
De pestanas enormes,
Sorriso cativante
Numa boca sem igual.
A tua pele escura
A fugir p’ro “cafuso”,
Fazia-me arrepiar.
Teu corpo, em figura geométrica,
Tinha 2 partes,
Uma sagrada e outra profana.
Um dia…
Perdido de paixão,
Pedi-te que me deixasses
Tocar-te.
A minha mulata disse-me:
Para quê?
Para te satisfazeres com o teu objecto?
E depois?
Tens coragem de perder
O que está por detrás dele?
Fiquei perplexo,
O que era importante
Tornou-se vulgar,
Algo estava para além de…
Seria possível?
Foi,
Tornou-se minha amiga.
Que bom ter-te conhecido,
Que bom ter-te desejado,
Que bom ter aprendido,
Dalila, minha amiga.

Estoril, 10 de Julho de 2003

Francisco da Renda

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Volume I

CONTRADIÇÃO

Quando vens a este mundo
Só tens uma certeza:
É que vais morrer!
Que cruel e que rotundo
Embora cresças a pensar na beleza
Desta ímpar contradição: o viver.

Viver é simples e credível.
Mas quando reflectimos
Neste imenso amargar,
Só queremos o impossível
Sem sentirmos
O que nos faz magoar.

Não o fazemos de propósito,
Fazemo-lo sem pensar,
Ensinaram-nos a amar
E a contar com o depósito,

Aquele que não tem fundo
E que nos faz perceber
Que, no Mundo
Só temos este saber.

Não nos ajuda no querermos
E alimenta a contradição,
Aquela que recebemos
Do nosso coração,

Que nos atraiçoa por vezes
Neste contraste constante,
Só pensamos nos meses
Que passam, o que é bastante.

Este rodar da vida é um prodigio
Ao sentirmos vontade e alegria.
É intrinsecamente meningeo
O enfrentá-lo com mestria.

Pequeninos somos, gigantes ficamos,
Com pena, encaramos alguma injustiça
E com a força que não temos, ultrapassamos
A miséria, a avareza e tudo o que vier à liça.

Mas faz de nós, seres incompreendidos,
Bons ou Maus, uma presença constante
Neste Universo estonteante.
Ao ponto de sermos o fulcro dos evoluídos.

francisco da renda

CONTRATADO

Homens nascidos e criados
Num lugar de encantar,
Todos eles muito musculados
E prontos para trabalhar.

Vinham do Sul, a maioria
No Norte eram preguiçosos.
Tanta mentira, eu diria
Para os mais invejosos.

Devido à sua bondade
Foram bem utilizados.
Não se esqueçam da realidade,
Muitos, ficavam realizados.

Felizmente, não todos
Continuam muito iguais.
Não há Governo que a modos
Os faça, serem reais.

Da tradição receberam
Muito do que sabemos,
Sei que todos entenderam
Muito antes de morrermos.

Ficam na minha memória
Pela vossa maneira de ser,
Independentes e com glória,
Assim, quero viver.

francisco da renda

CORPO
(dedicado à Ana Clara)

Só alguém infinitamente sábio
Conseguia esculpir a perfeição.
Começou de certo, pelo lábio
Carnudo, sensível e com acção.

De seguida, deve ter pensado
Nos seios, redondos e bem posicionados.
Depois, veio a anca bem enrrolada,
O nariz muito bem projectado,
Os olhos bem arrumados
E uma perna bem desenhada.

Acrescentou-lhe uns braços,
Uns pés e umas mãos,
Ligando tudo com traços
Com se fosse um artezão.

Mas algo lhe faltava
E colocou-lhe um cérebro pensante
E um coração. Nada escapava
A este corpo efusiante.

Daquela mistura, saiu o movimento.
E então, começaram a dançar
Todas estas partes ligadas ao pensamento,
Desatando também a amar,

Com tanta nitidez e doçura
Que os gestos, graciosos
E envolvidos numa perfeita candura
Se tornaram preciosos.

francisco da renda

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Volume I

COMPARAR

Nós, que nunca estivemos em nenhuma,
Só podemos imaginar, o que será uma cela.
Espaço pequeno, com o Sol a ser traçado por grades,
Paredes húmidas, frias e a revelar quem fuma.
Comparar quem esteve lá, seria uma mistela,
Pois foram bandidos, politicos e frades.

Os primeiros, foram lá parar
Por motivos óbvios. Os politicos, por amar
Algo de revolucionário, algo de impossível
Embora com muito de credível.

E os inocentes? Quantos estiveram lá?
Sentiram a cela, da mesma maneira
Que os frades? Só mesmo uma peneira
Destrinçava uma Sinfonia em Fá.

Como comparar, um doente que sofre
E uma doença que nos faz sofrer?
Seja ela, a que nos leva à morte
Seja ele, o que quer viver?

Sempre me imaginei na pele do outro,
Por respeito e comparação.
Só que nunca percebi, quão marôto
É este nosso pensar, com o coração.

Fica para mim registado, que comparar
É o mesmo que projectar
Nos outros, aquilo que teríamos de fazer
Para ninguém nos proteger.

Comparar o quê? E quando?
Cada um é como é, sintomático.
Mas não seria fantástico
Pensarmos, de vez em quanto?

Estoril, 24 de Maio de 2004


COMPROMISSOS

São sagrados! Pelo menos no “antigamente”.
Mas mesmo nessa altura, havia padrões
Que balizavam, o que respeitosamente
Não trespassasse as nossas convicções.

As múltiplas referências podem ser boas
Ou más. Só temos que saber escolher
Dentro das interrogações. Quais são as broas
Que nos dão um enormissímo prazer?

As minhas filhas que ensinei?
A companheira que adorei?
Ou todos o que aproveitaram?

Não me comprometo com factos,
Estou presente nos desacatos,
Mesmo os que para o qual, não me chamaram.

Estoril, 30 de Julho de 2004


COMUNICADO
(dedicado ao Fernando, após ter saído do SCP)

Quando um homem é grande
E a Instituição ainda maior,
Quem perde é a glande,
Isto é, o produto melhor

Da mistura da raíz com tudo.
Não te iludas, grande sortudo
Hoje, és o o principal
Amanhã, aparece um igual.

Amigos, estúpidos e parceiros
Para sempre. Mas, seremos companheiros
Quanto à realidade?

Aquela que nos faz, modificar,
Num momento, o realçar
Da imensa fealdade?


Estoril, 3 de Junho de 2004


francisco da renda

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Volume I

CHORAR PORQUÊ?
(a pensar num Sr chamado J.W.Bush)

Chorar, manifestação simples, pura
E verdadeira, por vezes incontrolável.
Por mais que a Alma seja dura
As lágrimas correm. Nada agradável.

Madrid, New York, Luanda, Palestina,
Timor, Amazónia e a enorme China,
Tanto sofrimento, tanta incompreensão,
Tanta maneira de olvidar o coração.

As causas vão ser esquecidas, mais uma vez
E vamos continuar a chorar (tanta pequenez).
Sofro, pelos que morrem sem saber!

Mas fico alerta e muito irritado
Com aquele, que embora disfarçado
Passa por ser, o heroi do sofrer.

Estoril, 14 de Março de 2004

Francisco da Renda


“CIPAIOS”

Os meus grandes amigos “Cipaios”
Faziam parte duma estranha estrutura.
Muitos, eram e tinham fama de “aios”
Nas hostes de quem muito murmura.

Todos eram leais e verdadeiros
Às causas que sempre abraçavam.
Dependiam de estúpidos e reles useiros
E de alguns bons companheiros.

Do muito que aprendi com todos
Algo vai ficar, como os mostos
Que demoram a aprimorar,

O verdadeiro gosto e sabedoria
De quem está escondido na mestria,
Dos que sabem e querem lembrar.

Estoril, 26 de Dezembro de 2003

Francisco da Renda


CIRURGIA PLÁSTICA

Todos nascemos, uns assim
Outros assado. De várias cores
De vários tamanhos, enfim
Daríamos uns belos lavores.

Nem sempre gostamos
De nos vêr a nós próprios,
Então pensamos
E não ficamos sóbrios.

Pedimos ajuda, p’ras modificações
Queremos isto e aquilo,
Sem rugas, nariz tranquilo
Tez alta, barriga sem montões.

Pequenos ou grandes seios
Pernas esguias e esbeltas
Ancas como os atletas
Olhos sem estarem cheios.

Pele lisa e sem estrias
De Vénus, os joelhos
As coxas bem vazias
E isto tudo sem pêlos.

Nádegas mais acima
Ou mais abaixo, robustas.
Sempre no clima
Queremos ser vestutas.

E a alma, essa desventurada?
Não ficará como o demónio
Que a põe dourada
E pede ajuda a St. António?

Pobre do Cirurgião Plástico
Que além de ser prático
Sofre muitos tormentos
Nestes pequenos momentos.


Estoril, 26 de Agosto de 2003

Francisco da Renda

terça-feira, 10 de julho de 2007

CATAVENTO

Ao sentir o vento
Lá vai o Catavento,
E que bonitos eles são.
São Galos, são Rodas,
São Igrejas, são Casas,
São Devoção, são Crença,
São Superstição, são Icones,
São tudo o que
“Pensamos, Desejamos e Imaginamos”,
Sem “Presunção”, direi Eu,
Pois esta pertence aos Humanos.
Quem fica indiferente aos Cataventos?
“As Melgas” não serão,
“Os Sanzaleiros” também não,
Especialmente os que inventam
Palavras (como “Internécticas”),
Sonhos (como “Havemos de voltar”),
Poemas (como “Não sou de cá...”,etc).
Ainda bem que existem
Ficamos bem,
Para a Prosa trazer sentido
Mesmo sem nos conhecermos.

Estoril, 11 de Maio de 2003

Francisco da Renda


“CATUITO”

Quanto tempo passou a entender-te?
Corpo muito pequeno e deliciosamente ágil
Com tuas penas curtas, castanhas e polidas.
Da minha varanda, só queria observar-te,
Saltavas de ramo em ramo, muito frágil
Com as tuas asas serenamente mantidas.

Quantas vezes me puz no teu lugar?
Imaginei que queria ser pássaro
E que podia fazer como tu, voar,
Sem ter necessidade de ser ávaro.

Segui o teu percurso, imaginando-me
Que, seria o melhor dos seres falantes.
Continuo a saltar, revezando-me
Entre ti e outros amantes.

Estoril.16 de Dezembro de 2003

Francisco da Renda


CERTEZA

Sei do que sou capaz, pois então
Sei do que não vou ser ou fazer.
Não é isto, ter a certeza do querer,
Do existir, do raciocinar, sem emoção?

Pela certa, nasci num dia qualquer
Não me lembro do dito, foi há muito tempo.
Nesse mesmo dia, nasceu um malmequer
De certeza, em algum momento.

E o Sol nasceu, brilhou e encantou
Todos os Seres Vivos. E alguém amou
Tanto tanto que me iluminou.

O amanhã, também vai ter de certeza
Qualquer coisa de novo e com enorme beleza.
Sim, foi ele (o amanhã) que me procurou.

Estoril, 22 de Janeiro de 2004

Francisco da Renda

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Volume I

CAMPEÕES

Palavra sagrada tão perseguida e envolvente,
Todos o querem ser! Está fixado na mente.
Utiliza-se o que se tem e o que se não tem
Para um dia se comemorar no além.

Uns fazem por isso e trabalham no duro,
Treinam muito e fazem um esforço suplementar
E esgotam as suas capacidades até ao limiar,
Quase que atingem um momento puro.

Esta fixação de querermos ser Campeões
É curiosa, pois aplica-se em todas as situações:
No desporto, na vida e na doença.

Este crer ser melhor do que somos
Faz-nos ultrapassar tudo o que fomos,
Ficamos frágeis (à mesma), mas com confiança.

Estoril, 19 de Junho de 2004

Francisco da Renda



“CANTATA”
(ao Pai da Humanidade)

Quando a Anatomia permite, sai a voz!
Mas o Cérebro tem que estar p’raí virado,
Pois se Ele entra em conflito com a Anatomia,
Que desgraça, sai uma “Cantata” e pobre de nós
Ficamos piores que os que passaram por um Tornado:
Tortos, revoltados, maus e a dizer: viva a bigamia.

Mas depois vem a acalmia e o sossêgo
E indagamos: Vou entrar em conflito,
Ou vou procurar o aconchêgo?
Sinceramente, estou quase a dar um grito,

De satisfação, de alegria ou de maldade
(Esta Alma não me deixa em Paz, bolas)?
Bem, voltemos à realidade,
Pois uma “Cantata” depende das molas
Que permitem atingir o “Pai da Humanidade”.

A voz teria que ser elaborada
Ao ponto de entender o patamar
Que julgamos ter acesso, sem o merecermos.
Devido à pequenez e sem nos envolvermos
Damos outros significados, alguns de arrasar,
À nossa voz que fica destroçada.

Perante tão grande tarefa (será?)
É fácil projectarmos no infinito (ou em alguém)
As dúvidas e as incertezas do além
Que apesar de tudo, não tem nome e nunca o terá.

Cantata ao Pai da Humanidade
É a minha pequena manifestação,
Ao canto e à solidariedade
Dos que são bons e pensam com o coração.

Estoril, 24 de Setembro de 2004

Francisco da Renda


CASCAIS

Terra que me acolheu. Aqui decidi viver,
Casar e onde minhas filhas viram a luz
Pela primeira vez. Tem à sua volta um capuz
De encanto, de magia, de engano e de lazer.

O recorte da sua costa, a laboriosa baía,
A fortaleza sobre o mar, qual sentinela,
Presenciando e testemunhando uma janela
Para esse tremendo mar que quase a traía.

Pescadores, Realeza e “patos-bravos”
Todos juntos e em falsa comunhão
Para entender os momentos amargos.

D. Pedro venerou-te tanto ou mais que nós,
Faz-nos o mesmo e com a tua emoção
Ensina-nos a devorar o tempo, como as mós.

Estoril, 30 de Janeiro de 2005

Francisco da Renda

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Volume I

BEM OU MAL

É tão difícil seguir o mal
E tão simples seguir o bem!
Desculpe, não percebi tal
Questão, Será algo do Além?

Se calhar é, direi eu ou tu?
Do Além ainda não tive sinais
Embora não seja completamente crú.
Será que só penso nas finais?

Tu estás mal e eu estou satisfeito,
Não bem, isto é, com muito respeito
Penso em ti e quero perceber,

Porque não entendo o resto
Daquilo, de que não presto.
Bem, ainda acredito no amanhecer.

Estoril, 15 de Agosto de 2004

Francisco da Renda


BODAS DE PRATA

Foi há vinte e cinco anos, era Carnaval,
Conheci a mais linda e perfeita flor
Fiquei agarrado e dei-lhe o meu amor,
Assim a mereça nesta vida infernal.

São momentos de prazer, ao teu lado
E a tua ausência só estimula
Este amor que não está equivocado
E que no Èter não se esfuma.

Acompanhaste-me na tormenta e na penúria
Deste-me a mão quando tropecei
Sorriste quando me esvaziei.

Despojaste-me da luxúria
Com o teu acerto, a tua amizade
E a tua simplicidade.

Estoril, 14 de Fevereiro de 2005

Francisco da Renda


CACIMBO

Atravessando o teu manto espesso
Tanta vida virada do avesso,
Homens e mulheres tão mal amados
Que se tornavam cacimbados.

Dias seguidos a cair brutalmente
Até os cafeeiros se ressentiam,
Não deixavas nada indiferente
Até os ossos nos doíam.

Tinhas a cor da tristeza melancólica
O cheiro húmido e doloroso
E uma existência diabólica.

Mas dava vida aquele solo, felizmente
Nem tudo é só mau e pavoroso,
O que parece não é, curiosamente.

Estoril, 8 de Fevereiro de 2005

Francisco da Renda